Uso de Avaliação do Ciclo de Vida na Sustentabilidade Estratégica

Ter uma visão holística do ciclo de vida dos produtos oferece potenciais de inovação

Nos últimos 20 anos, a avaliação do ciclo de vida (ACV) passou de um exercício acadêmico para uma ferramenta de tomada de decisão aceita e utilizada para a gestão da sustentabilidade. Várias empresas, da Apple à Unilever, empregam essa ferramenta nas ações voltadas à sustentabilidade, por vezes com investimentos substanciais. As ACVs podem ser intensivas em dados, demandando uma equipe de diversos profissionais trabalhando em colaboração entre as diferentes funções organizacionais.

Considerando o nível de esforço e investimento envolvidos, quais os benefícios estratégicos que podem ser obtidos com ACV? Além disso, você deveria implementá-los?
 
A ACV, na sua origem, é uma metodologia para quantificar os potenciais impactos totais da sustentabilidade – tais como o uso de recursos e os danos ambientais – durante todo o ciclo de vida de um produto, do “berço ao túmulo”. Embora exista um valor informativo em um nível mais básico, a utilidade real da ACV é a comparação, ou seja, comparar a sustentabilidade de um produto em relação a outro. Essas comparações podem ser feitas com produtos existentes ou com inovações futuras, ainda na prancheta. Portanto, existe um status-quo de momento, o “agora”, e um de projeção, o "futuro".

A ACV do “agora”

As empresas conduzem um projeto de ACV de produtos existentes em seu portfólio para avaliar/definir um baseline de seu desempenho ambiental. Esse baseline serve como base para priorizar ações para a melhoria do desempenho desse produto. A ACV definirá o perfil ambiental do produto e irá destacar os “eco-hotspots” do ciclo de vida, que é onde estão os impactos ambientais mais relevantes. Uma ACV de lâmpadas da Osram (na época ainda Siemens), por exemplo, demonstrou que a maior parte do impacto ambiental ocorre na fase de uso na casa dos clientes, o que estimulou a empresa a melhorar a eficiência da lâmpada nesta etapa. A ACV também permite identificar hotspots dentro dos portões de fábrica, nos processos de manufatura, como na indústria de microchips, onde uma ACV demonstrou que o maior gerador de impacto são os solventes tóxicos usados na produção de chips, levando a empresa a usar soluções mais sustentáveis, tais como suco de limão.
 
Outro uso do “agora” da ACV é por equipes de marketing e comercial. Atualmente, os clientes solicitam rotineiramente as informações de desempenho ambiental que as ACVs podem fornecer. A Kusch+Co, empresa alemã fabricante de mobílias, usa ACV para obter declarações ambientais de produtos (EPD) de toda a sua linha de produtos, comprovando a integração com o marketing da empresa. Reivindicações de marketing documentadas dessa maneira, constroem uma relação de confiança com o cliente e evita acusações de greenwashing. Por exemplo, o produtor australiano de vinho Taylor Wines usa a ACV para validar a reivindicação de uma produção 100% neutra em carbono.
  “A Taylor Wines está envolvida com avaliação do ciclo de vida (ACV) desde 2008 começando com uma ACV de seus Oitenta Acres, que atualmente são neutros em carbono. Desde então, a ciência e a prática da ACV avançaram. As atualizações recentes das ACVs da Taylors estão alinhadas com os padrões internacionais atuais e melhores práticas, incluindo ISO/TS 14067 e as regras de categoria de produto (PCR) para vinho.” Taylors Wine
 
A ACV pode ser utilizada ainda para benchmark, comparando o desempenho do seu produto com relação ao do seu concorrente e servir como base para a campanhas de publicidade, um diferencial associado à sustentabilidade do produto. As vantagens relacionadas ao desempenho ambiental podem ser encontradas em qualquer etapa do ciclo de vida e oferecem oportunidades para acentuar os atributos sustentáveis do seu portfólio de produtos.
 
Com uma ACV do “agora”, você estará comparando o desempenho do seu produto com relação a ele mesmo em diferentes etapas do seu ciclo de vida (benchmark interno) e com relação a competidores (benchmark externo). Entretanto, é preciso ter em mente que documentar o estado atual das coisas possui valor limitado à longo prazo. Sustentabilidade é, fundamentalmente, inovar para o desenvolvimento de novos e melhores produtos que atendem às necessidades dos clientes, ao mesmo tempo em que estão alinhados às limitações de recursos. Trata-se do “futuro” mais saudável e aprimorado das coisas.
 

Usando a ACV para encontrar o “futuro”

Como a ACV consegue apontar onde estão as grandes falhas de sustentabilidade de um sistema de produto, ela é uma boa ferramenta de ecoinovação. Pode ser usada para avaliar as implicações para sustentabilidade de um novo produto na mesa do designer ou, melhor, direcionar as equipes de desenvolvimento para novas soluções sustentáveis que ainda não estão no mercado.

Quando usada como uma ferramenta adicional no desenvolvimento de produto, a ACV pode ser parte de um processo interativo para avaliar a implicação ambiental das opções de projeto em cada etapa do desenvolvimento. Modificações do produto, como novas opções de material, podem ser rastreadas não apenas quanto a impactos ambientais imediatos, mas também a impactos ao longo do ciclo de vida – digamos, na fase de uso pelo cliente ou no final da vida útil do produto. A Levi Strauss usou essa abordagem para desenvolver sua linha de roupas Dockers WellThread e, através de escolhas cuidadosas de design, melhorou a fabricação, o uso e o desempenho no final da vida útil de suas roupas.
 
E caso os resultados da ACV forem decepcionantes, eles podem ajudar a reduzir custos encerrando projetos que são insustentáveis no estágio inicial de desenvolvimento.
 
Além dos esforços individuais em produtos, a ACV pode ser uma ferramenta poderosa se direcionada sob uma perspectiva holística de todo o sistema de produto. Desse modo, permite promover a colaboração interfuncional dentro da empresa e a colaboração organizacional entre fornecedores e clientes da empresa.
 
Veja por exemplo, a iniciativa da Heineken e da Natura para estimular a reciclagem dos copos plásticos usados nos dias de evento do Rock in Rio 2019, nos quais são patrocinadores. Os copos reciclados serão usados para fabricação de embalagens da Natura, engajando consumidores, impulsionando ações de impacto positivo e a economia circular, além de evitar uma emissão estimada de até 15 toneladas de CO2.
Edivan Cherubini, Consultor EnCiclo 
  
Muitas vezes, a ACV identifica que os maiores hotspots estão além dos portões da fábrica. Quando estão na cadeia upstream, com os fornecedores, melhorar o desempenho pode significar repensar decisões sob qual o melhor fornecedor. A SC Johnson, por exemplo, usa abordagens de triagem para identificar materiais tóxicos nos produtos que compra de fornecedores e trabalha para encontrar substitutos que sejam mais responsáveis ambientalmente. **Ou ainda melhor, trabalhar de maneira colaborativa no desenvolvimento de um material exclusivo e sustentável (contribuição nossa ao artigo)**.
“A Apple também assume a responsabilidade pelas emissões de carbono que ocorrem em sua cadeia de valor. [...] Deste modo, eles estão ajudando seus fornecedores a reduzirem seu consumo de energia e a mudarem para novas fontes energéticas renováveis. Desde o anúncio do Supplier Clean Energy Program da Apple em 2015, foram evitados 3,5 milhões de tons de CO2 eq.”  
Por outro lado, os pontos de melhoria podem estar na cadeia downstream, com nossos clientes. A gigante química SABIC, por exemplo, usa ACV para desenvolver produtos que resolvem os problemas de sustentabilidade de seus clientes, de indústrias de embalagens a automobilística.
 

SABIC lançou no JEC World 2018 os resultados de uma ACV de portas de carro feitas com a fita UDMAX™.

Os resultados para um automóvel com motor à combustão interna mostraram que as portas a fita termoplástica UDMAXTM possuem um menor potencial de aquecimento global do que qualquer uma das três portas metálicas

Você deve usar a ACV?

Existem muitas ressalvas, mas a realidade é que se você não está usando a ACV, alguém já está fazendo a ACV dos seus produtos. Veja o Sustainability Consortium, filho da enorme iniciativa de sustentabilidade do Walmart. Esse consórcio de empresas, ONGs e acadêmicos tem como objetivo promover a sustentabilidade no universo dos produtos de consumo, tornando o desempenho da sustentabilidade mais transparente e estabelecendo padrões baseados em ciência. A ACV é uma ferramenta importante nesse processo e está sendo aplicada em todos os setores. 
 
Esta história vem se desenrolando há anos em todos os setores. À medida em que o conhecimento em sustentabilidade, desenvolvido por práticas como a ACV, difunde-se através das indústrias e surgem novos padrões de sustentabilidade, oportunidades estratégicas de ação começam a ser suprimidas.
 
E aí, você ficará de fora?
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Esse artigo foi originalmente publicado pela MIT Sloan Management Review, de autoria de Gregory Unruh, que gentilmente concedeu à EnCiclo a autorização para publicar o conteúdo em português.
 
Gregory Unruh é um educador, autor e palestrante sobre soluções em sustentabilidade para os negócios e mundo. Professor e pesquisador sênior da George Mason University e editor convidado de Sustentabilidade na MIT Sloan Management Review.
 
O artigo original pode ser acessado no link abaixo:
Outras referências
  • Apple (2019) Environmental Responsibility Report: 2019 Progress report, covering fiscal year 2018.
  • Levi Strauss & Co. (2015) The life cycle of a jean: Understanding the environmental impact of a pair of Levi’s® 501® jeans. (presentation)